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Notes from Outside
Notes from Outside
/Número 21

A terra cor de esmeralda e as ovelhas caricatas do Kerry Way

Sebastian Kowalke
/Tempo de leitura: 5 minutos

Põe-te na pele de Sebastian, enquanto ele caminha pelo Kerry Way da Irlanda, neste artigo dos arquivos komoot. É uma aventura molhada, mas o que falta à Irlanda em termos de calor e sol, é compensado pelas vistas espetaculares e pelas pessoas amistosas. Esta edição do Notes from Outside está recheada de pormenores que te facilitam imaginares-te no trilho – exceto o frio e a chuva. Por outras palavras, são apenas os aspetos positivos!

Catherine

Editora, Notes from Outside

Subimos a passagem do Parque Nacional Killarney com chuviscos. Pouco após a partida, os primeiros raios de sol da manhã dão lugar a uma escura nuvem cinzenta e as gotículas de chuva pairam no ar, abafando qualquer som. Começamos a caminhada de duas semanas na paragem de autocarro para Torc Waterfall e temos todo o Kerry Way pela frente. São 220 km de rotas comerciais antigas, estradas isoladas e trilhos lamacentos que atravessam as colinas e montanhas da Irlanda. Caminhamos algum tempo por tábuas de madeira antigas e escorregadias, aparentemente dispostas ao calhas no prado húmido. Rapidamente percebemos que são muito úteis para atravessar este pântano.

Pouco antes de chegar ao ponto mais alto do dia, com 280 m de altitude, vemos um grupo de pessoas a caminhar na nossa direção – os únicos outros caminhantes de hoje. Reparamos que são adolescentes, provavelmente estudantes. Vestidos de calções, sweatshirts encharcadas e sapatos de corrida enlameados, deslizam lentamente pelas tábuas de madeira. Apenas os dois professores vestem casacos impermeáveis. Ao chegar ao pé de nós, cedemos passagem à caravana de crianças. O mau tempo não afetou o seu ânimo e cumprimentam-nos alegremente, ao passar. Aconchegados no equipamento para a chuva, observamos os rapazes e raparigas. Resta-lhes três horas até à paragem de autocarro da aldeia e pelo meio têm apenas a paisagem irlandesa. Continuamos a caminhada até ao hostel em Black Valley, o destino de hoje. Chegamos ao vale ao mesmo tempo que a chuva.

Chegamos a pingar ao albergue três horas depois. A expectativa de um prato cheio de massa e um bule de chá quente manteve a nossa boa disposição. Pendurámos a roupa impermeável e tomámos um duche. Depois sentámo-nos na cozinha, a observar a água da massa a borbulhar. Depois de um dia comprido e chuvoso, a massa – simples, com molho de tomate de lata, parecia-nos um verdadeiro festim e sentimos satisfação. De barriga cheia, verificamos as próximas etapas da rota: estamos a apenas um dia de caminhada de Carrauntoohil, a montanha mais alta da Irlanda. A subida até ao cume deverá ser o ponto alto do nosso percurso pelo Kerry Way. Olhamos mais uma vez para o mapa e vamos dormir, sem perder tempo.

A manhã seguinte não trouxe vestígios da chuva do dia anterior. Céu azul, sem nuvens à vista. Black Valley está banhado por uma maravilhosa luz primaveril.

Novamente no trilho, uma velha estrada leva-nos para as profundezas do vale. Caminhamos agora na direção do Distrito de Reeks. O trilho é substituído por um velho caminho de pastores completamente encharcado pela chuva de ontem. Estamos gratos pelas botas impermeáveis, que secaram durante a noite.

Hoje não encontrámos pastores no caminho, mas existem inúmeras ovelhas com marcas coloridas na lã branca. Uns dias depois, ouvimos a explicação da pessoa que nos recebeu no albergue:

Visto que as ovelhas não são confinadas por cercas e muros, os agricultores pintam-nas com cores garridas para conseguirem controlar o seu rebanho.

The Black Valley is one of the loneliest places in Ireland. There are only a few abandoned farms in the rugged, barren high valley and there are fewer people living here than in any other place in Ireland.

Black Valley é um dos sítios mais isolados da Irlanda. Existem apenas algumas quintas abandonadas no vale e vivem aqui menos pessoas do que em qualquer outro lugar na Irlanda.

A partir do fim do vale, subimos por poças de lama e pedregulhos escorregadios até Bridia Pass. De um lado, a Caher, a terceira montanha mais alta da Irlanda, ergue-se em direção ao céu. Do outro lado, o cume de Broaghnabinnia. Daqui, temos uma vista única. A leste, o selvagem e rochoso Black Valley e para oeste o adorável Bridia Valley com as suas quintas, pastagens verdejantes e pequenas florestas.

Quando chegamos ao fundo de Bridia Valley, descobrimos um sinal pintado à mão à entrada de uma quinta: «café». Caminhamos à volta da quinta e encontramos uma pequena estufa de vidro, mas está tudo fechado. Não se vê vivalma. Quando nos preparamos para dar meia-volta, a porta abre e sai um hippie de cabelo grisalho. «Olá, em que posso ajudar-vos?» Pedimos uma chávena de café e bastante gelado caseiro. O dono do café aproxima-se da mesa com os pedidos. «São de onde?» «Alemanha», respondo. Ele sorri e diz: «Sim, percebi pelo sotaque. E hoje vão até Lough Acoose? Aproveitem a pausa. A próxima subida é muito íngreme.» Acatamos o conselho e admiramos o jardim, antes de partir.

Ao olhar de uma altitude considerável para Bridia Valley, a vista é simplesmente fantástica. Daqui avistamos Caher e Carrauntoohil, as montanhas mais altas da Irlanda e a seus pés estende-se o Lough Acoose. No horizonte, o Oceano Atlântico brilha em Dingle Bay. Após duas passagens sentimos os joelhos trémulos, mas daqui conseguimos avistar o nosso destino à beira do lago e parece-nos muito distante. Descansamos, comemos um pacote de frutos secos e iniciamos a descida.

O caminho até ao nosso alojamento ainda é longo. Quando chegamos, Mary, uma das anfitriãs, recebe-nos à porta. Descalçamo-nos e sentamo-nos de meias no solário, que ela converteu numa pequena sala de jantar do albergue. Depois de nos servir chá preto e biscoitos caseiros, ela quer saber tudo acerca dos próximos planos. Enquanto Maren explica que queremos subir Carrauntoohil no próximo dia, eu olho para as fotos de família e para os postais de antigos hóspedes nas paredes, que tornam este sítio mais acolhedor. Ela ficou impressionada com os nossos planos e abre uma exceção para nós: pequeno-almoço às seis da manhã, duas horas mais cedo do que o habitual, para que consigamos terminar a caminhada. Depois de um delicioso jantar vegetariano, vamos dormir.

No dia seguinte levantamo-nos de madrugada. A previsão meteorológica promete boas notícias, apesar do dia cinzento e das nuvens espessas que cobrem as montanhas sobranceiras ao albergue. Seguimos por um caminho vazio (ninguém acorda tão cedo) e chegamos rapidamente a um pequeno parque de estacionamento. Um caminho largo de asfalto divide-se e sobe até às montanhas com uma inclinação que nos traz as lágrimas aos olhos. Transpiramos e bufamos em direção ao cume, sob o olhar de algumas ovelhas preguiçosas, que mastigam as ervas à beira da estrada, impávidas à nossa presença.

Transpiramos e bufamos em direção ao cume, sob o olhar de algumas ovelhas preguiçosas, que mastigam as ervas à beira da estrada, impávidas à nossa presença.

Chegamos ao sopé de MacGillycuddy’s Reeks, uma cordilheira montanhosa parecida a uma ferradura, formada a partir das montanhas mais altas da Irlanda. Com a ajuda do nosso GPS Garmin, encontramos o nosso rumo por um terreno enlameado até à rota de ascensão. Sem um trilho, subimos por prados lamacentos e gravilha grossa. Carrauntoohil tem apenas 1038 m de altitude, mas devido ao terreno plano que a rodeia e os picos secundários, esperam-nos mais de 1000 m de subida até ao cume. O trilho até ao cimo é praticamente indistinguível. A leste existem prados extensos, a oeste um penhasco precipita-se a partir do trilho. Quando chegamos ao cume de Caher, um cume secundário, o tempo tinha piorado e encontramo-nos no interior de uma nuvem densa.

Nem consideramos continuar. Não vemos um palmo à nossa frente e o perigo de ir pela direção errada e cair de um penhasco é demasiado alto. Decidimos fazer uma pausa. Enquanto estamos sentados nos pedregulhos com outro pacote de frutos secos, surge do nevoeiro um clarão colorido: uma ovelha com o seu cordeiro que escolheu as montanhas mais altas da Irlanda para pastar. Quando nos vê, para, surpreendida, antes de desaparecer no nevoeiro com a mesma rapidez com que chegou. Meia hora depois, a névoa continua a não largar os cumes e o frio atravessa todas as nossas camadas de roupa.

Meia hora depois, a névoa continua a não largar os cumes e o frio atravessa todas as nossas camadas de roupa.

É com grande pesar que decidimos voltar para trás. O cume deveria ter sido o ponto alto do nosso percurso pelo Kerry Way e agora vimo-nos obrigados a desistir, tão perto do nosso objetivo. É uma desilusão enorme, mas não queremos correr qualquer risco. Após alguns minutos e uma curta descida, saímos da nuvem e admiramos a vista impressionante.

De volta ao albergue, Mary está feliz por nos ver. Disse-nos que muitos turistas subestimam a montanha devido à sua baixa altitude. A proximidade ao mar resulta em condições meteorológicas muito inconstantes e os caminhos praticamente inexistentes dão azo a resgates espetaculares nas montanhas, a cada ano – não existe outra montanha de 1000 m na Europa com tantos acidentes como Carrauntoohil. Com esta informação, sentimo-nos mais felizes pela nossa decisão de cancelar a subida ao cume. O pensamento de um acidente deixa-nos inquietos. Pensando bem, percebemos que mesmo sem a subida ao cume, o Kerry Way é uma experiência incrível e esta tentativa cancelada faz parte da nossa aventura.

Os seis dias seguintes de caminhada no Kerry Way são menos dramáticos, mas igualmente belos. Em maio ainda não há muitos turistas no Distrito de Reeks e até as cidades costeiras da Península de Iveragh continuam tranquilas e adormecidas.

As secções entre aldeias afastam-se da civilização, por colinas e através de passagens estreitas que formam túneis para o vento que sopra do Atlântico. Além de nós, por aqui andam apenas as ovelhas com marcas coloridas e as vacas satisfeitas. Apesar dos animais lanudos pastarem ao nosso lado, as amigas maiores preferem o meio do caminho. Contornamo-las com o devido respeito.

As outras pessoas que encontramos são irlandesas e todas nos recebem calorosamente na sua ilha verdejante. Num dia de chuva, um homem que passou por nós de carro perguntou se queríamos uma boleia até à aldeia. Noutra ocasião, encontrámos por duas vezes o mesmo agricultor. Uma vez com as ovelhas na pastagem e no dia seguinte no supermercado, onde nos cumprimentou como se fôssemos amigos de longa data. Um dia tivemos oportunidade de retribuir o favor, ao ajudar a devolver à pastagem uma ovelha fugitiva e o seu cordeiro.

Onze dias depois, quando chegamos finalmente a Killarney, o ponto de partida da nossa viagem, pareceu que tínhamos regressado a casa. Ocupamos a mesma sala do mesmo albergue onde começámos, mas desta vez comemos um jantar generoso num restaurante de «fish & chips» mesmo ali ao lado. A única maneira de conhecer realmente a Península de Kerry e os seus habitantes é, sem dúvida, a pé. Após o regresso a Berlim, sentimo-nos assoberbados com a quantidade de pessoas e pela natureza opressiva da cidade. Após a estadia nos espaços abertos da Irlanda, sentimos saudades das povoações tranquilas, das pessoas descontraídas e da paisagem de Kerry.

Texto: Sebastian Kowalke Fotos: Sebastian e Maren Kowalke

Sebastian Kowalke é chefe de redação no komoot. Está feliz de ter trocado Berlim por uma vida mais tranquila e repleta de natureza em Leipzig, onde vive com a esposa e a filha. Ele adora caminhar e explorar, e habitualmente leva consigo a sua máquina fotográfica.

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